sábado, 28 de maio de 2011

AS ELEIÇÕES NO IPU, DE PICA-PAU COM CURURU

Peço a Deus que me inspire
Neste momento de glória
Pra contar a todo mundo
Essa complicada história
Da eleição no Ipu
Pica-pau com Cururu
Com estrondosa vitória!

O Cururu era afamado
Carrancudo e mandão
Herdara do Doutor Rocha
O Comando e a ação
Querendo o Cururu
Numa eleição do Ipu
Comprava qualquer cristão.

Montou ele um império
Gigante da comunicação
Duas rádios trabalhando
Na manobra do povão
A Câmara toda comprada
(queria dinheiro, mais nada)
Aprovava qualquer ação.

O Juiz e o promotor
Nunca mostraram a cara
Nunca tentaram acabar
Com o grupo e sua tara
Nunca exerceram o ofício
Eram eles fictícios
Na décima segunda vara.
  (1)
Depois da saída do Milton
Do Cacá e do Dião
O Grupo do Cururu
Dominou sem opção
Só houve um intervalo
Atravessando o gargalo
Na “Virada do Simão”.

O Simão fora eleito
Mas traiu o seu patrão
Teve ele que escolher
Sem qualquer complicação
“Ser leau ao Cururu
ou governar o Ipu”
Fazendo comparação.

Nem um só dia de paz
O prefeito conheceu
Eram greves e protestos
Que o mundo estremeceu
Duas rádios difamendo
A Câmara também sabotando
O confuso mando seu.

Saiu humilhado e corrido
Como um cão feio e sarnento
Debaixo de muita vaia
Muita pedra, ovo e excremento
Mas não foi um mau prefeito
Conheceu o seu direito
Depois de grande tormento.



(2)
Papai-Noel e seu grupo
Teve vitória cruel
Quase 70 por cento
Neste tremendo bordel
A Câmara toda vendida
A população corrompida
Comemorou seu troféu.

Venceu a falta de ética
Venceu a corrupção
Venceu o voto comprado
Venceu o político mandão
Venceu o eleitor otário
Venceu o eleitor salafrário
A imbecil multidão.

O povo todo é corrupto
Vende o voto por dinheiro
Depois vem falar mal
Do político trambiqueiro
O povo é o grande vilão
Entrega o ouro ao ladrão
Porque quer o seu primeiro.

Meu caro eleitor desonesto
Crie vergonha na cara
Por causa de sua burrice
O corrupto mete a vara
Vá trabalhar, vagabundo!
Não venda o voto, seu imundo!
Acabe com sua tara!


(3)

Mas o tempo vem mudando
Houve um aperto geral
O governo obrigou
A demitir o pessoal
Moralizar as finanças
Acabar com a lambança
Com o dinheiro nacional!

Depois do governo Lula
Com a responsabilidade fiscal
Ficou ruim para corrupto
E pro povo em geral
Empregar ficou difícil
E manter um benefício
É coisa celestial!

   Dizia o velho Sapão
   Do topo de sua demência
   -Sou o dono do Ipu
   E não quero impertinência
   Boto mesmo pra lascar
   Hoje a cobra vai fumar
   Sem qualquer benevolência!

Mas o dinheiro não veio
A Cooperativa fechou
Os salários atrasados
O Carnaval acabou
A refeição indigesta
Sem carnaval e sem festa
O povo se revoltou!


 (4)

O Cururu anda sujo
Que só pau de galinheiro
Pica-pau apareceu
Com seu riso zombeteiro
Dizendo que vai ganhar
Botar sapo pra chorar
Neste curral verdadeiro!

A rejeição era tanta
Que faz pena comentar
O Cururu aparecia
Só para o povo o vaiar
A “Mãe da pobreza” dizia:
-Ai que saudade do dia
Que era só 10 pra votar!

O eleitor revoltado
Quando o dinheiro correu
Recebeu o seu dinheiro
Mas o voto não lhe deu
Quatro anos de abandono
A cidade vem sem dono
O povo não esqueceu!

Com a revolta do povo
O dinheiro não tem glória
Comprar voto já não é
Garantia de vitória
Houve um progresso geral
E o povo afinal
Vem mudar sua história!


(5)

Pica-pau vitorioso
Comquistou mais um curral
Agora somando dois
Não encontrando rival
Pires Ferreira e Ipu
Vão fazer um só angu
É o prato principal!

Ao novo prefeito eleito
Um conselho eu vou lhe dar
Trabalhe honestamente
Não queira nos enrolar
A bem de toda verdade
O Ipu é uma cidade
Difícil de governar!

As velhas oligarquias
Renovadas como estão
Pereira com Martins
Correia com Aragão
Governam sempre o Ipu
Haja Ave ou Cururu
Não existe distinção!

Mas o povo evoluiu
E a coisa vai mudar
Hoje é mais difícil
A nossa gente enrolar
Trabalhe bem direitinho
Pra encontrar o caminho
Pra poder continuar!

(6)

Raimundo Arcanjo-11/01/05. Elaborado logo após a vitória eleitoral de Torrim no Ipu.

LENDA IPUENSE: A SERPENTE DO SÃO PAULO


            Esta história é verdadeira; pois as coisas imaginárias (lobisomens, almas penadas, assombrações, visagens, amortalhados etc.) são frutos das “estruturas mentais” de um povo e revelam aspectos importantes de seu universo simbólico e cultural.
            Havia, numa fazenda do São Paulo (sítio da Serra Grande, entre o Ipu e Guaraciaba do Norte), uma mulher muito má, que judiava muito de negros escravos, agregados e empregados de sua fazenda. Diz a lenda que tal mulher obrigava as negas a mexer tacho quente com as próprias mãos, e que teria um dia batido com tanta força com uma colher de pau  na cabeça de uma criança negra, filha de uma escrava, que a mesma morreu imediatamente por afundamento de crânio. Tal mulher, pelo que pude apurar em minhas “leituras” e investigações, era avó do coronel Porfírio José de Sousa, patriarca da oligarquia que dominara o Ipu por ocasião do governo de Antonio Pinto Nogueira Accioly (1896-1912). Porfírio fora nomeado Intendente do Ipu (o que equivaleria hoje ao cargo de prefeito) pelo próprio Accioly, “governador” do Ceará neste período; seu filho, Felix José de Sousa, fora nomeado juiz municipal, seu parente, o coronel Antonio de Sousa Aragão, seria eleito presidente da câmara; seu genro o substituirá na intendência (João Bessa Guimarães); o promotor, Antonio Carvalho, também será recrutado no seio desta parentela. Melhor dizendo, desta oligarquia descendem hoje os Aragão, os Sousa e os Carvalhos, que se somando aos Martins, aos Araújo e aos Correia, eram os verdadeiros “donos do poder” na Ipu daqueles tempos.
            Voltando a mulher da cobra, cito estes versos revelados a mim pela senhora Ivanira Paiva de Oliveira, uma verdadeira “guardiã” da memória local: (a grafia foi mantida como no original)


Quando eu vim da minha terra
Descambando a Macambira,
Me falaram de uma cobra
Que era avó do seu Prófirio.

Então-se eu fui até lá
E via a cobra engaiolada
Me informei no povoado
O tanto que essa velha era malvada

O nome dela era Malvina
Ela tinha uma fazenda
E muitos negros cativos
Judiava com os coitados
Tanto que ela podia
[...]
Todo mundo lhe temia
Era o pavor do lugar
Até que um dia Malvina
Escama começou a criar
E os nego apavorado
-Que está acontecendo?
-O que ela quer virar?

Um dia encontraram ela
Virando cobra num lugar
Então todos ficaram apavorados
E se puseram a gritar [...].

Para complementar, gostaria de narrar mais estes versos relatados a mim pelo folclorista Florival Vale:

Tando eu cantado a cobra
Lá na feira da Estação
Quando chegou seu Porfírio
Me dando voz de prisão
Quando eu ia pra cadeia
ia bem divagarim
Me valha dona Adelaide
Lhe peço por caridade
Venha soltá seu neguim!

Da quina da serra
pra beira do rio
A cobra avuava
Fazendo assovio
[...]
Lhe firo – lhe firo!
O primeiro qu’eu como
É meu neto Profirio!

Parece que o coronel não gostou nem um pouco de ver o nome de sua falecida vovozinha na boca “atrevida” do vate popular (infelizmente tal poeta não deixou registrado o seu nome). A velha Malvina morrera provavelmente antes do fim da escravidão (1888), e fora enterrada onde hoje se localiza a escola Murilo Aguiar, atrás da igreja matriz. Diz a lenda que por ocasião do falecimento de um outro parente, a família abrira o jazigo para enterrar o outro morto junto à matriarca; e para a surpresa de todos, a velha havia virado “corpo-seco”, estava com os olhos amarelos arregalados, e com horripilantes dentes à mostra (quando um corpo não se decompõe, algo perfeitamente natural e possível no calor do sertão,  o imaginário popular atribui a isso um “castigo dado por Deus” para expiar os pecados do morto; diz-se logo “-fulano é tão ruim que a terra não come”!). Apavorados, correram todos: o coveiro, o padre, o sacristão, os “cabocos” que iam levando o caixão, os parentes mais devotos (até mesmo o próprio Porfírio, fora o primeiro a correr!); cabras alvoroçados e apavorados gritavam pelas ruas do mercado:“- A velha Malvina virou corpo-seco, negrada! Eita peste ruim!”
No imaginário popular da cidade o coronel, que havia monopolizado com seus parentes os cargos de poder e prestígio na cidade sem “amparar” aos “afilhados” e amigos, passara para a memória local como “filho da serpente do São Paulo” (coisa Ruim!), e no imaginário, e a seu modo, a população legou ao futuro a sua vingança; uma vingança imaterial, presente no universo da cultura e do símbolo.
Na missa dominical, as vozes em coro cantaram assombradas:

O’ martyr de Christo,
O’ santo varão,
Livrai-nos da peste,
                                                         São Sebastião

A “peste” da oração, da qual se pedia para São Sebastião nos defender, era, na imaginação dos fiéis daquele momento, a “cobra do São Paulo”, a avó do intendente, a bisavó do juiz etc. A vingança “imaginária” (simbólica) veio do fundo cultural da herança medieval de nossas tradições mais fantásticas, misturada ainda com as crendices e lendas indígenas e negras. O imaginário sociocultural da população do Ipu promovera a seu modo um revide vingador contra o clã dos “Carvalho”: para a cultura popular, a matriarca, “virou serpente”, um animal maldito, coisa do “Cão do inferno!”. Para o homem e para a mulher comuns, que acreditavam naquelas crenças, quem sabe São Sebastião, nosso “herói defensor”, covardemente transpassado por três flechas assassinas, inerte no altar da Matriz, não pudesse, com as preces, descer do Céu e nos “livrando da peste”, travando um combate mortal contra o “Dragão de São Paulo” e a sua prole de “coronéis exploradores” por ela gerados?! A seu modo, a lenda traduz uma faceta inusitada da cultura, e não existe inocência ou “imparcialidade” no sentido simbólico e altamente depreciativo com que o imaginário popular procurou “julgar” e “enquadrar” ao clã dos “Sousa-Carvalho”.
Para concluir a lenda, diz-se que o coronel transferiu a avó para um sítio no São Paulo, e que mandara queimar e enterrar ao fantástico animal, mas que ela reaparecia desenterrada e ameaçadora sobre a própria sepultura. “Não havia mão humana que pudesse matar tal animal”, disse-me o empresário Marquinho, dono da Ótica Gabriel, antigo morador do sitio São Paulo, e que cresceu ouvindo esta lenda. Minha própria mãe, Luisa Alves, disse-me quando eu ainda era criança, que a serpente, “era do tamanho do dragão de São Jorge”, e que as autoridades, cansadas de tanto queimar e enterrar ao animal sem ver resultado decidiram mandar construir uma jaula enorme, do tamanho de uma casa, e prenderam a serpente dentro dela, e a jaula fora colocada num dos vagões do trem, e enviada ao porto de Camocim, e de lá, embarcaram-na num navio de carga, e a jaula com a serpente do São Paulo fora jogada “no fundo do abismo” do oceano Atlântico; e lá dorme desde então. Chegará o dia, diz a lenda, que a ferrugem corroerá o ferro da jaula, e “o animal maldito se libertará, e voltará voando para assombrar a pobre e sofrida população do Ipu!”  
As nossas oligarquias já não nos assombram o bastante?  Quando rezar pensando na lenda da cobra maldita, lembre-se de pedir a São Sebastião para nos livrar de mais esta peste: a peste das oligarquias que sempre retornam do fundo do abismo para nos dominar eternamente!


Raimundo Arcanjo. Algum dia de 2010.