segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Resumo do livro: O espaço e a história no Mediterrâneo. Fernand Braudel.

BRAUDEL, Fernando; O Espaço e a História no Mediterrâneo. Fernand Braudel; São Paulo, SP. Ed. Martins Fontes. 1988.


         Pra um melhor entendimento posterior deste trabalho, optei por preservar a nomenclatura dos capítulos feita pelo autor; desta forma, fica muito mais prático e útil a releitura posterior de deu conteúdo; possibilitando sempre uma melhor absorção dos conteúdos e das reflexões do mesmo para este “aprendiz de historiador”.


Mediterrâneo

           
            Fernand Braudel, em O Espaço e a História no Mediterrâneo, produz uma síntese de sua famosa obra “O Mediterrâneo”, permitindo, de modos mais sucintos, que possamos ter uma compreensão menos técnica ou “científica” sobre sua contribuição para com a historiografia moderna.
            Para Braudel, muito mais do que um espaço geográfico, o Mediterrâneo é também um espaço cultural, que interfere na construção das civilizações que historicamente viveram em suas margens. Em Braudel, se é verdade que o meio determina o homem, também o é que o homem interage imprevisivelmente sobre o meio, possibilitando um alto grau de dinamismo e de respostas culturais para as questões do meio e do tempo:

O que é o Mediterrâneo? Mil coisas ao mesmo tempo. Não uma paisagem, mas inúmeras paisagens. Não um mar, mas uma sucessão de mares. Não uma civilização, mas civilizações sobrepostas umas às outras. Viajar pelo Mediterrâneo é encontrar o mundo romano no Líbano, a pré-história na Sardenha, o islã turco na Iuguslávia. É mergulhar nas profundezas dos séculos, até construções megalíticas de Malta ou até as pirâmides do Egito. É encontrar coisas muito velhas ainda vivas, ladeando o ultramoderno: ao lado de Veneza, falsamente imóvel, a pesada aglomeração industrial de Mestre. [...] É ao mesmo tempo imergir no arcaísmo dos mundos insulares e surpreender-se diante da extrema juventude de cidades muito antigas, abertas a todos os ventos da cultura e do lucro, e que, há séculos, vigiam e comem o mar.
            Tudo por que o Mediterrâneo é uma encruzilhada muito antiga. Há milênios tudo converge em sua direção, confundindo e enriquecendo sua história: homens, animais de carga, veículos, mercadorias, navios, idéias, religiões, artes de viver. (BRAUDEL; 2)  

            Assim, foi no Mediterrâneo, esta “encruzilhada de povos e de culturas”, onde a geografia comprime montanhas, mares e planícies e colabora forjando as condições que possibilitaram no passado as trocas cultuarias de diferentes povos; fazendo surgiu as condições históricas para o nascimento das brilhantes civilizações que hoje conhecemos; desde o Egito, passando pela Grécia Antiga, pela Roma dos Césares, pelos cruzados medievais, e chegando aos “descobridores do novo mundo”, o Mediterrâneo gestou os povos e as condições culturais e humanas para o aparecimento destas civilizações.


A terra

            No Mediterrâneo, muito mais do que qualquer outro ponto do planeta fica evidente o quão a geografia física e o meio interferem na formação cultural dos diferentes povos que por ventura venham a ocupar estes espaços. “No mapa-múndi, o Mediterrâneo é apenas um simples corte na crosta terrestre, um fuso estreito que se alonga de Gibraltar ao istmo de Suez e ao mar Vermelho”. (Braudel; 7). Mas isso não significa, para o autor, que o homem seja meramente condicionado pela natureza; varinado os povos, variam as respostas culturais para os problemas do meio. E estudar estas manifestações culturais e os seus espaços é algo possível e prazeroso, pois “A montanha é, por excelência, o lugar da conservação do passado”. (Braudel; 17)
             

            Em todas as zonas altas do Mediterrâneo, na Itália, na Espanha, na Provença, na Grécia, podemos encontrar facilmente, ainda hoje, toda uma série de festas vivas que mesclam ao trabalho crenças cristãs e sobrevivências pagãs. Mas, tanto quanto o folclore, a própria paisagem é uma testemunha – e que testemunha! – desses modos de vida arcaicos. Uma paisagem frágil, inteiramente criada pela mão do homem: as culturas em terraços, as cercas de pedras empilhadas, sempre por reconstruir, as pedras que é preciso levar para cima em lombo de jumento ou de burro antes de ajustá-las e consolidá-las, a terra que é preciso carregar em cestos para acumulá-la atrás dessa muralha. (18)

            Conhecer as manifestações culturais dos povos que ainda hoje habitam as margens do “Mar interior” é compreender as “respostas culturais” dadas por tais povos às dificuldades e desafios impostos pelo Mediterrâneo para a sua domesticação: “Todo esse vaivém de homens e animais é, de fato, mais complicado do que parece à primeira vista”.
            O meio condiciona as culturas de modo não-determinista segundo Braudel, pois as respostas dadas pelas diferentes culturas que existiram e ainda hoje existem nas suas margens e nos desertos de calor e frio que o circundam dão a entender a imprevisibilidade das mesmas. “De um modo geral, o Mediterrâneo equilibra sua vida a partir da tríade oliveira, vinho e trigo”. A própria produção do alimento, ao longo dos séculos, daria um depoimento acerca desta “dialética” homem/natureza: “O trigo e o pão são os tormentos sempiternos do Mediterrâneo, os personagens decisivos de sua história” (Braudel; 21; 25).



O Mar

            Muito mais do que uma paisagem natural, o mar sempre interferiu na vida e na cultura dos povos do Mediterrâneo, moldando as paisagens humanas e intervindo nas culturas e nos hábitos das cidades e dos impérios que em suas margens floresceram ao longo dos milênios de sua história:

É preciso tentar imaginá-lo, vê-lo com os olhos de um homem de outrora: como um limite, uma barreira estendida até o horizonte, como uma imensidão obsedante, onipresente, maravilhosa, enigmática. [...] Mas o mar é mais do que uma reserva alimentar; é também, e antes de mais nada, uma “superfície de transporte”, uma superfície útil, senão perfeita. O navio, a rota marinha, o porto há muito equipado, a cidade comercial, são instrumentos a serviço das cidades importantes, dos Estados e das economias mediterrâneas e, conseqüentemente, de sua riqueza. (Braudel;29; 36)

            Mas como compreendermos hoje a importância que teve o mar nas questões humanas e históricas dos povos antigos? Seria o mar uma barreira? Ou um meio de contato?

O historiador deve se desfazer, a qualquer preço, dessa visão que transforma o Mediterrâneo atual em um lago. [...] não esqueçamos que o Mediterrâneo de Augusto e de Antônio, ou o das Cruzadas, ou mesmo o das frotas de Felipe II, tinham cem, mil vezes as dimensões que hoje nos são reveladas pelas nossas viagens através do espaço aéreo ou marítimo. (Braudel; 30)

            Mas, se o Mediterrâneo não se limita a sua geografia, o que e como ele é para os povos e as culturas humanas que coabitaram em suas entranhas? Quais as formas histórico-culturais dos seres humanos que habitaram ou habitam o “mar interior” dialogarem com estes desafios?  Em fim, o que é, para Fernand Braudel, o Mediterrâneo?

Como o Mediterrâneo é uma sucessão, um complexo de mares, dividindo-se em superfícies autônomas de horizontes limitados, [...] Para os marinheiros sensatos [...] raramente seria o caso de deixar o seu mar familiar, o comércio conhecido, o “Mediterrâneo” particular do qual conhecem os contornos, as correntes, os litorais[...] (Braudel;37).
As cerimônias religiosas que se manifestam até nossos dias em tantos portos do Mediterrâneo são ritos mágicos incessantemente repetidos contra os caprichos das tormentas e tempestades. Os ex-votos dos marinheiros salvos do perigo falam a respeito desse temor no coração de homens que nunca se abandonam voluntariamente à perfídia das ondas. Os carregamentos e, mais ainda, seus corpos e almas, são recomendados à Virgem Maria, Maris Stella, Estrela do mar, pelos marinheiros do Ocidente. (Braudel;36).
            O Mediterrâneo são rotas por mar e por terra, unidas; quem diz rotas diz cidades, as modestas, as médias e as grandes, dando-se as mãos. Rotas e mais rotas, isto é, todo um sistema de circulação. (Braudel;49).


A alvorada

            Como “encruzilhada de povos e civilizações”, o Mediterrâneo assistiu o florescer das mais brilhantes civilizações do passado antigo:

Todo mundo diz, todo mundo sabe que “as primeiras civilizações” nasceram no Mediterrâneo oriental do Oriente Próximo. Mas não foi o mar o primeiro responsável por elas. Durante milênios permaneceu vazio, mais deserto do que os próprios desertos, obstáculo e não entre os homens que, contudo, já viviam em suas margens ha muito tempo. (Braudel; 55).

            Mas não foi no mar, ou em suas margens, que nasceram as primeiras civilizações antigas: “A alvorada da história é a invenção da agricultura”, e isso se deu nas planícies semi-desertas da Mesopotâmia e do Egito. “No entanto, é a planície, a baixa Mesopotâmia, que, como o Egito, irá se tornar a acumuladora essencial da civilização em gestação”, diz-nos o autor. (Braudel; 57)

            Quem fala de agricultura, fala de sedentarização, enraizamento em grupos. Porém, a surpresa [...] veio quando se descobriu a existência, a partir do oitavo milênio, não somente de aldeias ou de cabanas, mas de grandes aglomerações que podemos chamar de cidades [...]
            As “cidades primitivas” já são centros organizadores. Provocam e mantém uma circulação de grande raio. [...] É o início de um milagre. Bens, mercadorias, técnicas, aos poucos tudo transitará pelas rotas do mar. O Mediterrâneo vai começar a viver. 58.

            Nas cidades primitivas (e o autor usa o termo “cidades” com um certo cuidado) que florescerá aos poucos o “milagre” da elaboração de um cosmopolitismo cultural que acabará por possibilitar  um intenso processo de intercambio cultural entre os diferentes povos do Mediterrâneo e dos desertos e planícies da Ásia Menos, da Magma Grécia, do Egito, das ilhas e outras regiões próximas e distantes; intercambio este que possibilitará a propagação desde valores religiosos, ao uso do ferro, a agricultura, e ao alfabeto fenício:

Cria-se assim um fenômeno extraordinariamente novo, estabelece-se uma cultura cosmopolita, na qual as contribuições das diversas civilizações construídas à margem ou no meio do mar podem ser reconhecidas. Dessas civilizações, umas permanecem nos domínios dos impérios: o Egito, a mesopotâmia, a Ásia Menor dos hititas; outras lançam-se ao mar e são sustentadas por cidades: a costa sírio-libanesa, Creta e mais tarde Micenas. Mas todas comunicam-se entre si a partir de então. Todas, até o Egito, normalmente tão fechado, voltam-se para fora com uma curiosidade apaixonada. [...] em que o culto das divindades cananéias, sem dúvida introduzido pelos comerciantes, espalha-se pelo delta, enquanto as esfinges aladas ou os deuses do Egito florescem na Síria ou na região hitita; [...] (Braudel;61)


            Para Fernand Braudel, duas revoluções acontecerão: A das cidades e a do alfabeto:

“Foi na Síria, [...] que se elaborou a revolução simplificadora do alfabeto entre os séculos XIV e Xá. C. Uma revolução que já estava no ar; tratava-se de substituir a escrita reservada aos escribas e aos príncipes por outra mais acessível aos comerciantes apressados e capaz de transcrever as várias línguas. [...] Os fenícios ensinaram-no aos gregos que o adaptaram à sua língua, certamente no século VIII a. C. (Braudel; 69). 

            Mas, não se sabe bem ainda os motivos, se por guerras ou desastres naturais (como um grande terremoto), as florescentes civilizações das Margens e das ilhas do Mediterrâneo, assim como as das planícies, montanhas e desertos, de uma hora para outra, sem deixar vestígios confiáveis para a história, conheceram a decadência:  

Em todo caso, um fato é certo: no século XII a.C., o Mediterrâneo oriental voltou à estaca zero, ou quase, da história. Os intercâmbios se esgotaram [...] Os dois impérios que subsistem perderam o brilho: o Egito volta-se para si mesmo, [...]. A Mesopotâmia enterra-se em suas turbulências pouco compreensíveis; [...] (Braudel; 59).


Roma


            Segundo Fernand Braudel, muito mais do que qualquer outro império do Mediterrâneo antigo, Roma “foi a violência a serviço da política” (Braudel; 117);  mobilizando sua cultura e sua economia para as coisasda guerra e da conquista, e impondo a “Pax Romana” e os valores civilizatórios de sua cultura aos povos dominados; mas, ao mesmo tempo que submete estes povos, Roma seria submetida culturalmente, pois pela Grécia e pelas valores espirituais das religiões do Oriente.  

“A romanidade não começa com Cristo. O islã não começa no século VII com Maomé. E o mundo ortodoxo não começa com a fundação de Constantinopla, em 330. Pois uma civilização é uma continuidade que, quando muda, [...] incorpora valores antigos que sobrevivem através dela e continuam a ser a sua substancia. As civilizações não são mortais [...] Destruídas, voltam a brotar como a relva. (Braudel; 108).

            Mas como teria nascido Roma e seu cosmopolitismo imperialista e militar?

Estamos assim melhor capacitados para compreender o significado da posição de Roma, principal nódulo de comunicações da rota que une a Etrúria à Magma Grécia: de fato, a cidade nada mais é do que o resultado da estruturação progressiva desse entrelaçamento de estradas que se estabelece, pouco a pouco, dentro de um quadro sócio-econômico preciso. [...]
            Já podemos, então, fixar em cerca de 600 a.C. o nascimento da cidade, compreendida como organização econômico-social fundada sobre uma divisão do trabalho relativamente desenvolvida e sobre uma subordinação do campo; como organização social que ultrapassa as relações originais baseadas nos laços de parentesco no interior de unidades territoriais. [...] (Braudel; 91).

            Como civilização imperialista-militarista levada a isso pela própria necessidade expansionista e de defesa estratégica, Roma fez da guerra a sua maior atividade econômica: 
 a guerra sangrenta cede lugar a uma “guerra de palavras”: nasce a política e, com ela, a “polis” (Braudel; 93) Mas, do convívio com estas diferentes culturas e povos,  nasceu o cosmopolitismo romano, com uma certa tolerância às diferentes religiões e culturas submetidas ao seu julgo. E surgem formas mais “democráticas” de poder, quando a “palavra” dará lugar a “espada” como forma de solução dos conflitos. O Senado romano, assim como as suas leis, possibilitarão o convívio com povos diversos, e procurará abrigar debaixo do mesmo poder todos os povos dominados.
            Mas a expansão de Roma seria a sua decadência, pois ao universalizar-se, a cidade fragmenta-se; e as velhas estruturas Republicanas darão lugar ao militarismo dos generais, e depois a própria cultura romana será “infectada” pelos valores dos povos dominados (como foi o caso do cristianismo), colaborando para a própria queda do império, séculos mais tarde.  


A história

            Sobre a história, na noção de “longa duração, criada pelo próprio Braudel, ele mesmo nos alerta: “Toda a história do Mediterrâneo: seis a dez milênios de história de um mundo enorme pelos parâmetros humanos, [...] desafia qualquer síntese razoável”. (Braudel; 105).
            E o espaço em análise abrigaria “três civilizações enormes e vigorosas, três formas cardeais de pensar, de crer, de comer, de beber, de viver... Na verdade, três monstros sempre prontos a exibir os seus dentes”.(Braudel;105).
            “O Mediterrâneo [...] são três comunidades culturais”, continua o autor, argumentando que, muito mais do que a geografia e o meio físico, haveria um sentido de “pertencimento”, ou um sentimento de “identidade cultural” (os termos não são do autor) que perpassaria mesmo as fronteiras geográficas e sobreviveria mesmo à fragmentação dos estados. O “islã” e a “cristandade”, e  o “universo grego ortodoxo” estariam latentes mesmo antes e após a uniformização ou a fragmentação destes impérios. A cultura (ou uma certa “identidade cultural” – e novamente o termo não é do autor) estaria latente nos indivíduos, esperando uma oportunidade histórica para ser “re-institucionalizada” na forma de um império ou de um poder central.


Espaços


            Da “dialética” entre o homem e o espaço geográfico nasce as repostas culturais deste homem aos desafios do meio; e a cultura humana é esta resposta à geografia adversa, mas não é uma resposta condicionante e nem determinada, pois

 ...o homem atinge os limites de uma terra à qual se habituou a pedir pouco. Para ele, o importante é certamente sobreviver ali; mas, antes de tudo, é ali poder viver em sociedade e comunicar-se com homens. Muito mais do que ao clima, à geografia ou ao relevo, o Mediterrâneo deve sua unidade a uma rede de cidades e vilarejos precocemente constituída e notavelmente tenaz: é em redor dela que se construiu o espaço mediterrânico, é ela que o anima e o faz viver. As cidades não nasceram do campo, mas o campo das cidades, às quais ele mal consegue alimentar. Através delas projeta-se sobre o solo um modelo de organização social [...] (Braudel; 131).

           
CONCLUSÃO

            Muito mais do que o meio, as culturas e as civilizações humans dialogam e se moldam pela geografia e pelo ambiente; mas ao contrário do que pssa parecer, em Fernando Brudel, o meio não é um condicionador infugídeo para os povos e as culturas que o habitam; pois a pluralidade dos mesmos, as diferentes repostas dadas por fenícios, romanos, egípcios, gregos, hititas,  sumérios e outros, atesta o alto gral de elasticidade e de adaptabilidade de “espírito humano” e suas culturas diante dos desafios da geografia  ao longo da história. Como o próprio Braudel diz:

O objetivo deste livro é mostrar que essas experiências e esses êxitos só podem ser compreendidos se tomados em seu conjunto; mais ainda, que eles devem ser aproximados uns dos uns dos outros, que a luz do presente freqüentemente lhes convém e que é a partir do que vemos hoje que julgamos e compreendemos o passado – e reciprocamente. O Mediterrâneo é uma boa ocasião para apresentar uma “outra” maneira de abordar a história. Pois o mar, tal como podemos vê-lo e amá-lo, é, acerca de seu passado mais surpreendente, o mais claro de todos os testemunhos.



Raimundo Alves de Araújo.
Mestrado UECE.
Fortaleza; 05/04/09.

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